24 dezembro 2006

Notícias

Como vender o peixe da fé


Igrejas assumem estratégias de mercado e marketing utilizadas em vendas para atrair fiéis

Fundador da Associação de Marketing Evangélico Nacional (Amen), Luiz Carlos Campagner costuma dizer que o produto das igrejas que atende é a salvação. Especialista em cuidar das demandas dos templos de diversas partes do País, ele acredita que as regras do Marketing se aplicam perfeitamente na religião.

Tanto é verdade que acredita na aplicabilidade de quase todas as teorias do mercado nessa mediação das igrejas. “Os evangélicos tomam mercado porque sobra espaço para ser ocupado”, afirma Campagner.

Na briga por fiéis, imperam as estratégias de vendas. E todas as correntes se desdobram na guerra pelos “consumidores”. Os católicos saíram na frente, ainda nos primórdios do cristianismo, mas hoje quem domina é o grupo evangélico. Outros segmentos também praticam o bom serviço de divulgação de suas possibilidades. A reportagem do Diário da Manhã acompanhou sessões de cura em Abadiania, onde João de Deus não move montanhas, mas centenas de fiéis – inclusive estrangeiros – em busca de curas quase impossíveis. “A cidade não seria a mesma sem ele”, diz o prefeito Itamar Vieira, também médico e crente na potencialidade do médium. João tem fama internacional, com citações na internet e documentários em inglês. O prefeito diz que nenhum farsante ou falso religioso teria tamanha credibilidade. Daí a crença em seu poder.

Da mesma forma que o prefeito, o funcionário público Divino Roberto acredita na força da religião a partir da comunicação que recebe. “Sempre fui católico e praticante. Aprendi a ser assim. Respeito outras religiões, mas a católica fala mais comigo”, diz. E em sua casa não tem briga, apesar da divergência de opiniões: “Minha mulher é da Universal.”

Nos últimos 15 anos, a igreja católica resolveu tratar do marketing sem pudores. Pelo menos é o que a renovação carismática procura praticar em seus encontros. “Vender” deixou de ser coisa do demônio. A usura é vista com menos reservas. E a igreja tem um ponto em comum com práticas de venda.

De acordo com Antonio Miguel Kater Filho, consultor em Marketing e mestre sobre o tema pela Universidade de São Paulo (USP), esta ferramenta é essencial para virar o jogo a favor dos católicos. Nas últimas décadas ocorreu uma sangria provocada pelos evangélicos. Não que a igreja católica tenha menos fiéis do que a concorrente, mas perde mais a cada ano que passa. O monopólio está longe de existir.

Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Marketing Católico (IBMC), Kater dá palestras e ensina como deve ser o marketing das igrejas. Suas idéias são tão boas que o próprio segmento evangélico procura se inspirar no mentor do grupo inimigo. Um exemplo prático de seus entendimentos pode ser observado no sucesso do padre Marcelo Rossi, maior ícone religioso da última década.

Rossi foi aluno das palestras do professor Kater. Ele aplica na igreja a mesma base teórica-empírica do Marketing Organizacional. Parte do pressuposto dos quatro Pês. Como uma empresa qualquer, só que bastante diferenciada, a igreja tem produto, preço, praça e promoção. “A religião católica tem o melhor produto do mundo, que é a salvação. E detalhe: temos o melhor preço, pois a salvação é gratuita e já existe para todos que nascem”, diz ao Diário da Manhã.

O pastor Oídes José do Carmo, líder da Igreja Assembléia de Deus em Goiás, diz que sua igreja não pratica conceitos de Marketing. “É verdade que existem diversas igrejas marqueteiras, que prometem quase que o impossível, mas não é o caso da nossa”, afirma.

O líder evangélico afirma que existe mesmo forte concorrência, mas participa quem quer. A Assembléia de Deus não estaria interessada nesta corrente de divulgação.

Luiz Carlos Campagner, representante da Associação de Marketing Evangélico Nacional (Amen), afirma que muitos pastores praticam Marketing sem saber, de forma quase intuitiva. “A diferença é que podem fazer de forma planejada”, comenta Campagner.

O padre Sérgio Ricardo Rezende, que cuida da ação missionária da Igreja Católica em Goiás, não tem nenhum problema em comentar como aplica regras de marketing.

Na verdade, ele é um ótimo profissional da área, pois ajudou a trazer a imagem de Nossa Senhora Aparecida para Goiás e levantou literalmente o Ibope da igreja entre os goianos em 2004. “O Marketing nasceu na igreja católica”, diz.

Aceitar que comunicação não passa de um dos elementos do Marketing é uma das maiores dificuldades dos especialistas. “Explicamos para os pastores que devem ter noção do espaço, das cores e da simbologia da igreja. Sem isso, ela pode se transformar em um fracasso de público”, explica o representante da Amen.

Para ele, a diferença da Igreja Católica e evangélica começa no discurso. Ninguém entende o que se diz na missa. O louvor é diferente e mais atrativo.

Existe um órgão interno de pesquisa dentro da Igreja Católica que se chama Seris. Com freqüência, ele aponta problemas e também soluções para questões como a “perda de fieis”. Segundo padre Sérgio Ricardo Rezende, a igreja católica não vem perdendo fieis: “Mas também não vem aumentando esse número, ao contrario de certos seguimentos evangélicos que circulam entre si com grande freqüência. Um evangélico muda mais de igreja do que católicos”, opina.

Kater diz que a igreja católica perde fiéis para os evangélicos, mas que a briga de foices mesmo ocorre no próprio segmento oposto. A grande expansão evangélica já teria ocorrido no mercado. As igrejas protestantes agora é que realizam um show de promoções para atrair o fiel.

O IBMC tem influenciado os evangélicos na busca de novos “mercados”. Por isso surgiu a Agência de Marketing Evangélico Nacional (Amen), que prega práticas semelhantes e adequadas do setor concorrente.

A Amen se propõe a discutir desde a elaboração da estratégia de marketing da igreja até a logomarca, passando pelo posicionamento, programa para fidelização de membros, estudo do espaço interno e externo, iluminação, conforto e aplicação de cores. Os marqueteiros evangélicos cuidam de outro ponto estratégico: buscar inovações na forma de pregar, enfocar temas pertinentes e escolher quais músicas serão apresentadas aos crentes.


Fonte: Diário da Manhã (Goiânia, GO)




Evangelicos na Política: Em Nome de Deus


O poder dos evangélicos na política brasileira é cada vez maior. Nem sempre essa participação é positiva, mas a maioria não se envolve em escândalos

O Estado brasileiro é laico, certo? Mais ou menos. Para os evangélicos, política e religião se misturam. De dez anos para cá, é cada vez maior a participação deles na vida pública, seja influenciando eleitores, seja disputando e conquistando mandatos. Nem sempre eles dão bons exemplos. O caso mais famoso entre aqueles que se perderam no meio político é do ex-bispo Rodrigues, então líder da Igreja Universal do Reino de Deus. Ele foi flagrado como um dos principais mensaleiros, além de ter sido acusado por envolvimento com a máfia dos vampiros. Chegou a ser preso pela Polícia Federal. O envolvimento de evangélicos em escândalos, porém, é pequeno.

Em Goiás, levantamentos recentes indicam que eles formam um exército profundamente dividido em denominações. São, aproxidamente, 225 igrejas diferentes. Há quem garanta que esse número é muito maior. Todas elas são unidas unicamente pela Bíblia. Uma Bíblia diferente da utilizada pelos católicos da Igreja Romana. Para os evangélicos, sete livros incluídos na versão católica foram abolidos, entre eles Judite, Macabeus Primeiro e Segundo, e Daniel e o Dragão. O pastor Antonio Lisboa, presidente da Confederação de Igrejas e Ministros Evangélicos, explica que esses livros não são aceitos pelos evangélicos porque teriam sido incorporados à Bíblia muito tempo após a morte de Jesus Cristo. A Bíblia que une os “crentes”, portanto, é mais fina que a católica, com 66 livros, contra 73 da versão ampliada.

Na política, as muitas denominações das igrejas evangélicas acabam refletindo na atuação dos que se aventuram no mundo dos votos. Não existe a figura de coordenadores de bancada, como no caso dos ruralistas ou a bancada da bola, ou da bala. Cada evangélico acaba se transformando em um universo próprio, ligado tão-somente à sua própria Igreja. Os evangélicos estão, literalmente, em todos os partidos, do PC do B e PT ao PMDB, PSDB e PFL. Em alguns momentos, boa parte se concentra em alguma sigla. Na época dos escândalos do mensalão, por exemplo, o PL abrigava o bispo Rodrigues — que foi expulso da Universal após as denúncias. Hoje, eles procuram se concentrar no PRB, partido criado recentemente pelo vice-presidente da República, José Alencar, também evangélico.

O resultado disso é que torna-se praticamente impossível afirmar, com certeza, quantos são os prefeitos, vice-prefeitos ou vereadores goianos que professam fé evangélica. Não há, até onde se sabe, nenhuma forma de levantamento nesse sentido. “Calculo que os evangélicos ocupem em torno de 25 por cento das câmaras de vereadores em todo o Estado de Goiás”, diz Antonio Lisboa. Sobre os prefeitos, ele nem gosta de arriscar qualquer número. “É muito difícil saber ao certo. Conheço alguns deles, como o Vanderlan Vieira [de Senador Canedo], o Pedro Sahium [de Anápolis] e o Iris Rezende [de Goiânia]. Mas vários outros prefeitos do interior são evangélicos”, acrescenta ele.

A principal dificuldade para realizar um levantamento como esse é que a informação a respeito de alguém ser ou não protestante depende unicamente de informações de boca-a-boca. Um pastor sabe que determinado político é crente porque freqüenta a sua Igreja. Um segundo conhece um outro, e por aí vai. Nesse caso, a consulta teria que envolver nada menos que quase mil denominações (Igrejas) diferentes.

O segmento, embora unido em torno da Bíblia, é uma torre de babel quando o assunto é coordenação política. Cada Igreja tem o seu líder e cada um deles atua de forma totalmente independente do outro. É o que acontece também entre as próprias Igrejas.

Assim, não se pode dizer que existe realmente uma bancada da Bíblia, ou evangélica. O grande exemplo disso ocorreu na eleição para a nova Mesa Diretora da Câmara Municipal de Goiânia. Os evangélicos ficaram divididos. A maioria apoiou Deivison Costa e, com isso, impuseram uma derrota política sem igual ao prefeito Iris Rezende Machado, notável protestante. Politicamente, eles acabaram apoiando o projeto de dois católicos declarados, o senador eleito Marconi Perillo e o governador Alcides Rodrigues.

Essa divisão é tão grande que existem desencontros até dentro de uma mesma denominação, como a imensa Assembléia de Deus. Hoje, a Assembléia tem funcionado com subdivisões (quase filiais), como Campo Fama ou Vila Nova, duas das várias “Assembléias” que existem em Goiás. A coordenação-geral da Igreja permanece a mesma. Em outras denominações, nem isso ocorre. A Igreja de Cristo, por exemplo, dá total autonomia administrativa a cada uma de suas igrejas, inclusive financeira. Já a Universal do Reino de Deus, fundada pelo bispo Edir Macedo, tem comando centralizado e costuma promover rodízios de bispos e pastores por todo o país.

Nem sempre o número de fiéis significa bancada política. Uma das maiores denominações evangélicas de Goiás, Ministério Fonte da Vida, dirigida pelo apóstolo César Augusto, por exemplo, tem apenas um detentor de mandato, o bispo Fábio Souza, atual vereador de Goiânia mas com mandato assegurado para a próxima legislatura estadual. Outras denominações, às vezes com número reduzido de fiéis, têm deputados ou vereadores. Isso ocorre porque muitos desses políticos, embora evangélicos, conseguem ganhar votos também de praticantes de outras religiões, como a Católica.

Em um ponto, todos os políticos evangélicos se unem: o poder deve ser exercido sempre tendo como referência a crença. Ou seja, poder político sim, mas sempre em nome de Deus.

Os evangélicos surgiram no século 16. Há uma infinidade de teses a respeito, mas quase todos concordam que o ponto mais visível desse movimento religioso surgiu com Lutero, monge alemão. Em 1533, descontente com o poder da matriz da Igreja Católica Apostólica Romana, com sede no Vaticano, o monge católico Martin Lutero organizou 95 teses e, assim, e em resumo, nasceu o movimento protestante.

De lá pra cá, o número de protestantes é cada vez maior em quase todos os países cristãos. Inclusive no Brasil, país ainda hoje com maior número de cristãos católicos em todo o mundo. Percentualmente, porém, o país tem ficado cada vez menos católico. E cada vez mais evangélico.

Os evangélicos são maioria esmagadora em vários países europeus, como Inglaterra e Alemanha, e nos Estados Unidos. Na América do Sul, colonizada pelos espanhóis e portugueses, o catolicismo ainda prevalece, mas vem perdendo adeptos. Para alguns observadores, a principal causa dessa mudança religiosa, especialmente no Brasil, é a grande facilidade com que se pode colocar para funcionar um templo evangélico. Basta um pequeno (ou não) galpão, algumas cadeiras e um pastor. Pronto, a pregação já pode ser feita.

Do outro lado, na Igreja Católica Romana, imperam inúmeras dificuldades. A construção de um novo templo demanda um tempo enorme, e isso a torna sem muita agilidade diante do crescimento da população, o que significa novas cidades e bairros. Até por falta de opção, mas não apenas por isso, claro, uma boa parcela da população “abandonada” pela Igreja Católica acaba dentro do templo evangélico mais próximo de sua casa. E é exatamente nas periferias que o número de crentes cresce sem parar.

Quantas denominações (igrejas) evangélicas existem no mundo? É praticamente impossível saber. São milhares e em todos os continentes. Algumas são grandes e centralizadas. A maior delas, no Brasil, é a Assembléia de Deus – que, por sinal, não nasceu exatamente em solo tupiniquim. Outras funcionam com apenas um pequeno templo.

Em Goiás, levantamento feito junto à Receita Federal há alguns anos indicava que havia pelo menos 225 igrejas evangélicas devidamente registradas, com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Na prática, esse número pode ser superior a mil. “Calculo que existam mais de 10 mil templos no Estado de Goiás”, diz o vereador Pastor Rosembergue, da Universal do Reino de Deus.

A religião evangélica se divide em três grupos de igrejas: as históricas (como a Metodista, a Batista, a Anglicana, a Luterana e a Congrenacional), as Pentecostais (a maior delas é a Assembléia de Deus e suas derivações) e as Neo-Pentecostais, maioria esmagadora e que tem como principais seguidoras a Sara Nossa Terra, Fonte da Vida e Universal do Reino de Deus. A Fonte da Vida, comandada pelo apóstolo César Augusto, tem templos espalhados nos cinco continentes e a sede mundial está localizada no Setor Serrinha, em Goiânia. Nesse sentido, é a maior igreja evangélica da região Centro-Oeste. Procurado pelo Jornal Opção, o apóstolo não pôde ser ouvido por estar em viagem aos Estados Unidos.

A movimentação dos evangélicos na política brasileira é recente. Há cerca de 40 anos, por exemplo, quando o general Ernesto Geisel foi indicado pelo poder militar para presidir o país, sua opção religiosa virou notícia importante. Descendente de alemães, Geisel foi o primeiro presidente do Brasil a professar publicamente sua opção protestante. Hoje, ninguém dá bola para o fato de que o vice-presidente José Alencar também seja evangélico.

Na história moderna de Goiás, a primeira aparição de um crente na política estadual se deu logo na disputa pelo governo do Estado. Em 1982, após uma década sem direitos políticos, Iris Rezende Machado disputou e venceu o católico Otávio Lage. Isso se repetiu na disputa de 1990, quando Iris novamente venceu um católico, o prefeito de Rio Verde, Paulo Roberto Cunha.

Ao contrário do que essas eleições demonstram, porém, a caminhada dos evangélicos na política não foi assim tão simples. Há 20 anos, conta o vereador Pastor Rosembergue, o número de fiéis era muito pequeno, e não era positivo eleitoralmente se identificar como evangélico na hora de pedir votos. Ele diz que há uma década a situação mudou muito. Atualmente, segundo informação do pastor Antonio Lisboa, citando dados do IBGE, “Goiás tem cerca de 1,2 milhão de eleitores que professam a fé evangélica”. É voto que não acaba mais, mas nem sempre eles vão para políticos evangélicos. O eleitor, católico ou protestante, muitas vezes não leva em conta a opção religiosa do candidato. E faz muito bem, entende o pastor Gilmar Cardoso Santana, da Igreja de Cristo. “O fato de ser ou não evangélico não significa que a pessoa é boa”, avalia ele. Gilmar é, inclusive, voz distoante quando o assunto é a mistura de política e religião. Sua Igreja não tem um único integrante com mandato eletivo. “Pode ser que um ou outro fiel seja político, mas é sem o apoio da Igreja”, garante.

O pastor da Igreja de Cristo critica até o crescimento do número de evangélicos. Para ele, o que ocorreu nos últimos 20 anos foi um “inchaço”. Isso tem provocado graves efeitos colaterais. “É preocupante quando a Igreja se envolve na política”, acredita. Pastor Gilmar diz que é preciso resgatar os primórdios do protestantismo. “O evangelho é para o indivíduo mudar a sua vida”, e, portanto, não é para servir como trampolim para um mandato popular.

Nem mesmo a pregação nas igrejas evangélicas fica livre de críticas, para o pastor Gilmar. “Existem alguns casos de mercantilização. Isso não é correto. Em alguns momentos, acho que algumas igrejas evangélicas precisam de uma nova manifestação, como a que Lutero fez no século 16”, lamenta ele. A referência é às teses do monge alemão, que resultaram na criação do protestantismo. Lutero condenou práticas da Igreja Romana na época, como “venda de espaços no céu, além da centralização do poder papal na política”.


Fonte: Jornal Opção (Goiânia, GO)

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